Sergio Cruz Lima
Órfão da pátria
Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Em 7 de abril de 1831, dom Pedro I renuncia e parte para a aventura portuguesa. É mister livrar a pátria-mãe do governo autoritário de dom Miguel, seu irmão. O pequeno Pedro - cinco anos de idade! - fica com as irmãs, entregue ao amor dos brasileiros. Como escrevi em artigo anterior: sem mãe, sem pai, sem liberdade!
Mais Habsburgo do que Bragança-Bourbon, Pedro pouco se parece com o pai soldado. Pertence à estirpe da mãe pelo largo queixo austríaco, que recorda o rei Felipe IV, os olhos azuis, a estatura agigantada, que na mocidade o aproximará a um arquiduque de Viena, sobretudo pelo gosto dos estudos pacientes, o sedentarismo dos que amam as coisas do espírito, a cordura natural, um orgulho macio e indomável, o culto da magnanimidade, o senso da justiça, o forte personalismo. O menino é a antítese do pai, o amoroso caçador de aventuras, o guerreiro e o impulsivo, que ardeu na própria paixão, queimando-se, e iluminando o século: tímido, contemplativo, inclinado à misantropia e amigo do silêncio, o menino leva no semblante e n´alma a tristeza da mãe ao tempo em que o gerara.
No Rio de Janeiro, em 1831, não se dá grande coisa pelo trono do jovem e infeliz dom Pedro II. O burguês comum não se surpreenderia se lesse no Jornal do Comércio a notícia de que o governo regencial o mandaria embora, devolvendo-o ao pai, exilado em Paris. O espírito revolucionário impera. Os aristocratas do tempo de dom Pedro I são perseguidos; os velhos conspiradores agora comandam, manobrando a tropa indisciplinada, o barco do Estado. As quarteladas explodem. As ideias absurdas circulam. Os deputados deliram. Alguns até suspiram pela guilhotina. Sem sangue não se consertará o Brasil! República? Federação? Sistema grego de cidade? Liga de repúblicas americanas?
Por que a república, dizia-se, se ela já existe, com a regência? Bulir na forma de governo será soprar em paiol de pólvora. Além disso, as relações exteriores exigem cautela. As potências, o Kabinet Politik, temem os desvarios do novo Brasil, e o vigiam. O imperador da Áustria recomenda o neto ao barão Daiser, seu ministro no Brasil, que o espia. Metternich, por seu turno, não crê na volta do Brasil à estabilidade. E se, em França, caíra o rei Carlos X com os seus marechais, como poderia sustentar-se a indefesa criança, amparada pela Dadama, sua aia. Pois bem, a revolução brasileira não destronou o menino Pedro. Fez melhor. Esqueceu-o.
A primeira pessoa do Império é a mais infeliz. Quantas vezes, arriscando o olhar para fora do alto portão do parque que circunda o palácio imperial, Pedro, agarrado às saias da Damama, letrada como um acadêmico, ou da condessa de Itapagipe, austera como um bispo, suplicando para que elas não o abandonem, porque tem medo, não invejara a independência dos meninos pobres de sua idade, que se rebolcam, como potros bravios, na grama verde ideal para o bamboleio de crianças e o saltitar de pássaros.
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